sábado, 24 de março de 2007

TV digital: o espetáculo e a cidadania



Imagine a cena: pela primeira vez, em tantos anos, você vai assistir a seu programa de tevê predileto como se estivesse na poltrona do cinema. Nenhum chuvisco, nenhum fantasma.

Imagem de alta definição e cores impecáveis, sem falar da sensação de profundidade. E a qualidade sonora? Nada menos do que cinco canais independentes e um específico para reproduzir sons graves. Sem chiados! Um mundo tão real quanto sua casa.

Impossível definir, em poucos parágrafos, a revolução tecnológica e cultural representada pela TV digital, que tirou o restinho de brilho da era analógica. Ela permitirá, por exemplo, disponibilizar vários subcanais por emissora e apresentar ao mesmo tempo até cinco programas, desde que em diferentes níveis de definição. Permitirá, também, à semelhança do computador, ampliar a interatividade do usuário com a máquina. Tudo será viável – escolher ângulos, dar zoom e ter acesso a diversas imagens simultâneas.

O sistema digital poderá transmitir para aparelhos portáteis ou móveis, incluindo celulares de terceira geração, e gravar vídeos em disco rígido, sem perdas ou danos. Será um universo de convergência de mídias, multifuncional, servindo às mais diversificadas aplicações. Algumas delas: realização de jogos, enquetes e votações, via controle remoto; exibição de fotos e materiais escritos, como discursos e currículos; leitura de e-mails e navegação na Internet; execução de serviços bancários e comerciais, o t-commerce; e produção de programas sob demanda, segmentados, com reflexos na área social e publicitária.

Mas o que merece ser posto na balança, agora, já nem é o imenso leque de inovações da tevê digital ou a adoção do modelo japonês como padrão. Precisamos, isso sim, focar os compromissos do governo ao lançar o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTV), que assumiu promover a inclusão social, visando a democratização da informação; estimular a criação de uma rede de educação a distancia; garantir a adesão gradual de usuários a custos compatíveis com sua renda; possibilitar a utilização de faixa adicional de radiofreqüência; e estimular a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, entre outras prioridades.

A respeito do último item, causa surpresa confrontá-lo com os 30 milhões gastos recentemente em pesquisas sobre padrão de TV digital cujas contribuições não foram levadas em conta, segundo centros e universidades envolvidos no projeto. A sociedade merece conhecer e compreender tudo o que envolve o tema, como a posição que o Brasil ocupará nos comitês que cuidam da transferência de tecnologia, da formação de mão-de-obra qualificada e da implantação do sistema da nova televisão. Essas questões preocupam organizações do setor da cidadania, meio acadêmico e entidades de classe porque estão, sem dúvida, intimamente ligadas a valores como soberania e democracia.

Uma vez que 97% dos domicílios brasileiros possuem tevê (de acordo com o IBGE), a chegada da TV digital levanta perguntas que pedem respostas urgentes. A começar pela lei que regula a radiodifusão, datada de 1962. Como um código de 45 anos atenderá a uma tecnologia tão dinâmica e aberta a inúmeras possibilidades? Mas, independentemente de legislação, a produção e a qualidade de conteúdo acham-se no centro da discussão. Convém privilegiar o entretenimento, que gera mais receita para a emissora, ou programas informativos e educativos? Eleger a alta definição ou operar com um maior número de canais de menor definição? O espectro da TV digitalizada servirá a novos produtores e difusores? Entrarão em cena novos conceitos, agentes e atores sociais?

E as dúvidas não param aqui. Como garantir a ampliação e a sobrevivência dos canais comunitários e que sejam, de fato, representativos? A atual lei geral das telecomunicações, de 1966, disponibiliza apenas um canal desse gênero, não plenamente ocupado pela sociedade civil. Já os quatro novos canais públicos a serem criados, bem como os antigos, devem dar abertura para que os grupos sociais se expressem nesses espaços. Mas caberá aos próprios movimentos comunitários negociarem com o governo sua participação.

Sejam quais forem os passos no processo de consolidação da tevê digital no País, o que se espera é que esse poderoso veículo venha a democratizar a comunicação e a disseminar o conhecimento. E ainda que nos faça respirar um ambiente de liberdade de expressão, em que a diversidade e riqueza das raízes brasileiras estejam contempladas.

Rodrigo Baggio
Empreendedor social, fundador e diretor executivo do CDI

*Matéria publicada no site Oppi, da Rits

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